Descartes deu o mote. A filosofia deste deste espaço é antes de mais dedicado ao sonho, às duvidas existênciais à escrita e ao prazer da leitura, um blog onde a actualidade não pode deixar de estar presente.




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Não existe liberdade grátis



                                                                                                                                                         



Tal qual como uma gaivota que de forma abrupta levanta voo sem aviso, elevando-se elegantemente de águas traiçoeiras, cheias de correntes contrárias. Melhor do que ninguém sabia que havia chegado ao seu limite, espreitava agora pensativa pelas vidraças. Estou a falar de Susana Alberto Batista Salomé, ou, como ela mesma se intitulava em casa ou entre os seus amigos como Suzzy Abs; esta história do Abs era simples tratava-se dum acrónimo do seu nome e por isso se ria sempre que pensava nele, sobretudo quando frisava o Abs dizia que significava travar em segurança; bem conveniente, aliás foi o que fez ao por cobro a uma situação de infidelidade que a incomodava profundamente fazia tempo, e por isso não podia deixar de se sentir feliz especialmente neste dia que acabara de ser Salomé.

Abriu as vidraças da janela do quarto, um elegante quinto andar, do hotel onde se refugiaria durante dois meses uma espécie de auto-exílio, enquanto decorria o seu sumário processo de divórcio. O hotel não era modesto, estava habituada a coisas boas. As vistas não eram nada de especial, uma parede continua e compacta dum lado e doutro de prédios cinzentos enegrecidos pelos tempos, apenas a espaços ténues se poderiam ver pequeníssimas secções de rio, pouco mais. Achou boa ideia ir apanhar um pouco de ar até à varanda, era urgente recuperar o seu equilíbrio emocional, a conversa inesperada que tivera ao fim da manhã com a mãe, teve o condão de a deixar indisposta quase com o dia estragado, a não ser… a essência do que ali a trouxe, e, por isso queria viver livre e de forma intensa a sua vida a partir daque instante...não iria ser fácil, sabia-o bem, mas, talvez o conseguisse de uma forma diferente.






O mais importante de tudo era novamente livre, livre e ainda jovem. A liberdade não é grátis, alguém lhe dissera um dia; existem os pais prontos a interferir na vida dos filhos, dispostos a terem a ultima palavra, isso era certo ou então acabava-se ali mesmo a vida de luxo. Sentia que mas o importante era sair daquela situação e sentir-se confortável, isso era inegável, viver a sua vida sem ter que encarar todos os dias com o homem que tantos problemas lhe criara, nos ultimos tempos. A sensação que experimentava agora, era  de alívio e por via disso sentir-se livre, não tanto como as gaivotas do Tejo, que voavam na esteira dos barcos lá ao fundo procurando peixe grátis; o palerma do ex-marido nem sequer imaginou em momento algum, o que poderia perder, e, não se está a falar de bens materiais, mas de outras coisas menos palpáveis, tais como uma certa forma de se estar na vida, de sentimentos de honradez e honestidade; não fora ela que se metera com a secretária, por isso ele perdeu e muito.
Sentia-se pronta para encarar o mundo sem alianças no anelar abriu a sua janela disposta a que o vento lhe refrescasse as ideias; a conversa da mãe não lhe saía da cabeça, ouviu ao longe uma melodia que lhe fez lembrar outros quintos que procurou esquecer. O som que lhe chegava abafado era o de uma música suave e acabou por devolver-lhe alguma serenidade embalando-a; vinha de algures, pelo ar, provavelmente do prédio em frente, ou talvez de um dos muitos quartos do lado; era um solo de piano inspirado, de um qualquer compositor clássico que Suzzy Abs não conseguia identificar, mas sabia que gostava, já a tinha escutado por variadíssimas vezes. Abriu a janela e veio até à varanda sentando-se numa cadeira metálica que lá existia que a fez estremecer, enquanto ia escutando tão melodiosa sonata que era balsamo para a sua alma.
Aquela coisa de ter de voltar para casa dos pais, estava a tortura-la demasiado toldando-lhe a lucidez que a caracteriza, sobretudo agora que acabara de perder o seu último nome Salomé, passaria a chamar-se unicamente Suzzy acabaria de uma vez por todas com a historia do Abs.
Riu-se com esta alusão; o nome Salomé aceitou-o de bom grado no dia em que casou com o malvado, aceitou-o no dia em que conquistara a sua independência da casa paterna; contrariando e muito o todo-poderoso pai; na altura havia considerado ter-se tratado de uma afronta; a ele e ao nome de família que todos exibiam orgulhosamente, gerações após gerações sem nunca haver sido questionado por ninguém, sendo subentendido entre portas como inquestionável o seu uso; por isso foi encarado como sendo um dos seus muitos atos de rebeldia, excessos de juventude, mais isso… que por qualquer outra razão muito menos por fazer questão de adotar o nome do marido, que não passava de um triste, nem tinha onde cair morto não fora ela apaixonar-se por um empregado; recuperava assim por esta via, o seu Batista de solteira, mas também esse nome teve os seus quês; o velho Baptista no acto do assento de nascimento da sua primogénita filha declarou o nome da pequena perante o funcionário da Conservatória do Registo Civil, este ou não entendeu bem a entoação que havia sido oralizada, ou o mais provável era lembrar-se ainda da penúltima revisão ortográfica Portuguesa; fez mesmo ouvidos moucos ao que o velho aristocrata disse. Em resultado disso ficou registada sem o tal importantíssimo pê, foi como se fosse um sinal fosse dado, que aquela criança iria primar pela diferença, diferente de todos os restantes membros da família Baptista, que viram gorada as esperanças no nascimento de um filho varão; porém assim não foi tendo nascido uma filha e única para desgraça da família colocando em risco a continuidade do nome da família Baptista. Quando o patriarca deu conta dias depois olhando para a cédula da pequena e viu o erro, virou o céu e a terra, mas em vão, acabou por ficar assim mesmo, para seu grande desconforto. Um revés a juntar a um novo revés.
Contudo hoje, este derradeiro e definitivo passo que acabara de dar, trouxe-lhe certo alívio como já verificamos atrás, quiçá uma sensação efémera de Liberdade na sua nova condição ao sair do tribunal; aliviada por ter acabado de deixar de ser Salomé e o que isso significava; começou a dar os primeiros passos na sua nova condição de divorciada, dando consigo a cantarolar baixinho uma canção do Sérgio Godinho, que dizia a dado passo. “Hoje é o primeiro dia do resto da tua vida…” “Tem a sua piada…” Pensou na altura satisfeita, mas foi por pouco tempo, atrás de si uma voz familiar chamou-a à realidade, era a voz da sua mãe que saía do edifício no seu encalço acelerando o passo caminhando para a alcançar.
“Suzzy hoje mesmo vai deixar de viver num hotel?” Questionou-a Dona Flávia Moreira e Baptista, de modo a não admitir direito a resposta que não fosse evidentemente um inequívoco, sim claro mamã.
“Deixar o hotel?” Atreveu a retorquir-lhe incrédula, perante o que acabava de escutar.
“Sim deixar o hotel; o seu pai… não iria achar graça se assim não fosse, aliás já deu ordens para que fosse posto em ordem o seu quarto de solteira.”
“Não estava a pensar nisso, eu tenho casa...”
“Casa? Então não ficou para ele…”
“Sim, mas apenas por uns tempos… depois mudasse.”
“Por uns tempos! Isso pensa a menina… é mesmo muito ingénua; não tarda mete lá outra em seu lugar, nunca mais de lá.”
“Não quero saber mamã…”
“Está resolvido, a menina volta para a casa hoje mesmo, e não se fala mais nisso.”
“Não sei mamã…”
“Não sabe como?”
“Será por pouco tempo…” Avisou peremptória, ficando a pensar no que acabava de escutar, deixando o aviso que ficaria apenas o tempo suficiente até encontrar uma casa nova… muito pouco animada com a perspectiva que a sua vida parecia querer tomar; não estava de todo nos seus planos, ter de voltar para a casa dos pais.
“Mamã eu tenho trinta e dois anos… sei perfeitamente cuidar da minha vida.” Arriscou num último acto de insubmissão já quase de desespero.
“Trinta e dois anos, uma criança é o que é…, evidentemente que sabe cuidar da sua vida, eu não estou a falar de casas… casas não lhe faltam… precisa é de encontrar uma nova família, de arranjar um marido em condições que lhe dê um filho, a nossa família precisa urgentemente de um filho seu...”
“Sempre onde existir os superiores interesses de família… E eu… não contarei nessa história por ventura?”
“Mas é claro que conta, queremos muito vê-la bem… mas também é preciso cuidar dos interesses da família… enquanto não tiver uma vida estável não sai da casa dos pais, que é assim que deve ser.”
Que grande aborrecimento, pensava agora relembrando as palavras da mãe. O piano fazia-se ouvir encoando pelos ares parecendo vir mesmo na sua direcção como uma seta, deixou-se ficar apática, quase a embalando. Deixou o seu olhar vagueasse ao redor procurando a fonte de onde saía a tal música bem conhecida. Não pode deixar de sentir um arrepio na espinha quando viu abrir-se uma janela do prédio em frente, precisamente à sua frente. Era de lá que vinha o som familiar; instantâneamente passaou a ouvir-se ainda de forma mais nitida e intensamente, parecendo-lhe até que alguém do seu interior aumentara o volume vendo-a ali, de olhar distante e pensativo, no momento seguinte Suzzy arregalou os seus olhos sem querer acreditar no que via, nada mais nada menos que um sorriso provocador veio ter consigo na sua direcção. Era ele, o seu ex-marido que a olhava do outro lado da avenida provocador. Sabia que tinha o condão de a deixar furiosa, sabia bem que aquele canalha acabara de fazer amor com a nova namorada, ali mesmo à sua frente, num local escolhido a dedo para lhe mostrar que não precisava dela para nada para ser alguém na vida, dois ou três segundos depois viu sair do interior do quarto uma garota semi-nua que veio agarrar-se a ele, tirando-lhe o cigarro da mão para dar uma longa passa.
Confusa e sem deixar de sentir raiva, viu-o levantar a mão, saudando-a à distancia, como que a dizer-lhe “Olá sou mesmo eu… estou aqui, vim fumar o cigarro da ordem…
Melhor do que ninguém conhecia os seus hábitos, e de como ele gostava de fumar um cigarro, sobretudo depois de fazer amor, sim fazia sempre isso quando fazia amor, afinal esse hábito não era só com ela. Estranha imagem de marca aquela, vê-lo saborear o fumo como que a recuperar forças para nova investida, sempre fora assim, sabia que dois, três minutos estaria pronto para a levar novamente ao céu. Não havia duvida ele tinha acabado de fazer sexo com aquela lambisgóia; para Suzzy nada daquilo fazia qualquer sentido, parecia que o mundo queria desmoronar-se à sua volta. Num rasgo de coragem e de rebeldia colocou de lado as etiquetas e a sua condição social e ensaiou um gesto grotesco a raiar o obsceno com os dedos da sua mão direita, mostrando o padre e os dois acólitos ajoelhados, brandindo-os orgulhosamente na direcção dos pombinhos que riam desalmadamente e se esfregavam agora de forma descarada um no outro do outro lado da avenida.. preparando-se para nova secção de sexo. 
Não iria ficar ali nem mais um segundo, estava mais que na hora de sair dali, sentiu que estava a mais naquela cena, cada vez mais convencida quie realmente não existe liberdade fácil e grátis.

Ficai aí bandidos!







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